domingo, 5 de dezembro de 2010

O Sertão Bravo Capixaba

Pouca gente sabe - até porque há pouco material disponível - da história desse nosso estado do Espírito Santo.

A ocupação do norte capixaba é um desses capítulos obscurecidos, seja pela crueza com que se deu, seja pela incapacidade dos historiadores oficiais de dar algum sentido ao banho de sangue que regou a migração da sociedade capixaba para o norte. Capixaba? Matador! daonde vem essa fama?

Tem um cara aí meio marginal, mas muito bom escritor desse estado e que, por ter sido testemunha ocular desse processo, escreve com a maestria de doutor da causa. Chama-se Rogério Medeiros. Aí vai um desses causos, extraído do site de notícias do dito cujo (www.seculodiario.com.br) que também é jornalista:


Meu encontro com o major Orlando, matador implacável



Rogerio Medeiros 
Foto capa: Ilustracao: Wagner Veiga 


Começo a história do major Orlando Cavalcante pelo fim: pelo seu assassinato, que,  junto com Cláudio Bueno Rocha, meu mestre no jornalismo, cobri para a antiga e extinta revista Agora, que ambos, nos idos dos anos 60,  havíamos criado no Espírito Santo. Mas com o detalhe de que o Cláudio nunca o havia  visto, enquanto eu o conhecera ainda na juventude, para tempos depois reencontrá-lo, como repórter, e ele como oficial da Polícia Militar, de quem, aliás, levaria uma tremenda de uma carreira.
A carreira que levei dele foi no ano de 1965. Eu era repórter numa missão jornalística para provar a existência dos índios Tupinikim, em cujo território, no município de Aracruz, o major Orlando Cavalcante, a serviço de interesses da Aracruz Celulose (hoje Fíbria), buscava solidificar a tese  de que lá não existiam mais índios e sim caboclos.

Deu-se por aí o meu caso com ele: foi na estrada de volta a Santa Cuz, numa das minhas inúmeras idas à região, numa hora até mesmo  imprópria para encontros dessa natureza: um fim de tarde e começo de noite com a luz do trópico ensejando apreciar um belo nascer de lua cheia. Dois policiais me renderam, ordenando que saísse do carro para ser revistado. Levaram o meu bloco de anotações e velaram o filme que estava em minha câmera fotográfica. Em seguida, um deles dirigiu-se a uma solitária casa à margem da estrada. De lá saiu o major Orlando em minha direção.  Militarmente, ordenou aos berros que desaparecesse da frente dele: “Você anda no meu rastro. Não gosto de ninguém me seguindo. Fora! Fora! Fora!...  já!”

Na hora senti a mesma sensação de pânico que sentiria diante de uma jararaca enroscada para o bote. Fiz até esforços para o meu olhar não deixar transparecer o meu pânico, pois era sabido que o major tinha horror aos chamados olhares de confronto. A favor do meu pânico, na hora, vieram à minha mente as atrocidades dele contra os índios Tupinikim, favorecido, na ocasião, pela impunidade instalada no País pelo golpe militar de 1964.

De regresso à redação do jornal em que trabalhava, A Tribuna, dei ciência do ocorrido ao meu diretor, Djalma Juarez Magalhães (já falecido). Que deu uma de Assis Chateaubriand (do final dos anos 30 ao inicio dos anos 60, magnata da comunicação, com o repórter Joel Silveira), dizendo que não queria repórter para figurar no noticiário e  sim  para escrever  notícias para o jornal poder informar corretamente aos seus leitores. Fiquei  mal  diante da sua bronca, sem deixar, entretanto, de valorizar o meu medo com o caráter  bandido que havia tomado conta, de vez, do major Orlando.

Só voltaria à região para cobrir o seu assassinato,  ocorrido às 11 horas do dia  26 de fevereiro de 1967, na localidade de Nova Almeida, quando o major retornava de uma de suas inúmeras incursões à área indígena. Aos 36 anos de idade, ele foi morto a tiros de revólver  calibre 38, com balas envenenadas. Ao todo, foram 15 tiros certeiros e irremediáveis. Os pistoleiros profissionais Fausto Ferreira Santos e Antônio Gregório da Silva – o Toninho – o executaram com a cobertura de outro pistoleiro profissional, Alvaristo Vicente.

Próximo ao local do crime postou-se  um dos empreiteiros de sua morte, o fazendeiro Josélio Barros. Ao volante de um jipe, aguardava os executores para retornar à sua fazenda, em Baixo Guandu. O local escolhido para matar o major Orlando foi o bar de Carlos Bezerra, justamente um colatinense que havia deixado sua região para  evitar um confronto com ele. Orlando havia passado também por Colatina como delegado de polícia, onde  prendeu os valentões do lugar,  entre os quais o próprio Carlos Bezerra.

O inquérito da morte do major Orlando foi presidido pelo coronel José Tavares, que organizou os fatos num ritmo galopante, onde misturou o ódio, a paciência, e espreita, a cobiça, a coragem, a perfídia. Nele os substantivos são intermináveis e as cenas inquietantes.

Desta forma: 

“Josélio e o seu pai José tendo  nos espíritos ainda acesas as chamas das desconfianças passadas sobre o major Orlando, que teria tentado contra a vida de José, seus executores receberam incumbência  do tenente José Scárdua e de Noel Nogueira para matá-lo, atendendo a encarnação das rivalidades permanentes. No caso presente, o Sindicato do Crime, onde duas facções se digladiavam: uma a qual pertencia o próprio major Orlando Cavalcante e a  outra que tinha entre os seus integrantes o temido tenente José Scárdua.”

Em seu relatório, o coronel Tavares não esquecera  de bisbilhotar a vida do major Orlando. Referiu-se a ela “como irregular e desordenada”, dizendo que contribuíra para facilitar a sua morte. Trocando em miúdos, o coronel  estava referindo-se aos inúmeros e incontáveis casos amorosos de Orlando, pois o major era um galanteador irresistível, com sua estampa de galã. (O ator de novela Rodrigo Santoro o lembra muito). Violento no trato com os presos e implacável ordenador de mortes, já com as mulheres ele era a candura em pessoa, mas não o bastante para apagar a impressão generalizada de que foi um dos mais violentos  oficiais que passou pela PM capixaba.

O inquérito fala também de uma extensa lista de  nomes que estavam interessados em sua morte e que estiveram envolvidos nos planos para  eliminá-lo: Luiz Gonzaga Madalon, de Colatina; o coronel PM Jadir Rezende, Arlindo de Almeida, Décio Gonçalves e Alaor Braga. Compunham uma extensa rede de conspiração devidamente protegida por pistoleiros, a fim de levar a bom termo o assassinato. Tanto que, para execução do crime, trouxeram o que havia de melhor em matéria de pistolagem na região do rio Doce.

No curso desta reportagem, o leitor vai perceber que o major passou a vida de militar misturando valentia com imprudência, formando legiões de ferozes desafetos.
   
Do local em que Orlando foi abatido, o território indígena dista 25 km. A notícia não demorou a chegar por lá. Fim de tarde, os tambores do congo já anunciavam a boa nova. Comandado pelo cacique Antônio Francisco, dedicaram boa parte dessa apresentação  ao propósito em levar para longe o espírito do major Orlando Cavalcante, que, quando vivo,  havia imposto toda sorte de violência, ocasionando uma autêntica diáspora indígena. A atmosfera do ritual esteve impregnada de uma sensação de vitória, mas sem as toadas e na base somente dos sons dos tambores, para que todos pudessem - no requebro leve e no arrastar vagaroso dos pés - manifestar  um regozijo coletivo com o fim de uma espécie - satânica para eles - que os obrigava a se comunicar aos sussurros.

Pois o que sobrou dessa pequena nação indígena, que havia se destacado nos primórdios do País, por ter recebido Pedro Álvares Cabral no sul da Bahia, eram apenas velhos e seus familiares segregados numa pequena vila, a de Caieiras Velhas, no município de Aracruz, hoje movimentado centro administrativo das aldeias Tupinikim. O resto deles tomou diferentes direções, de preferência bem longe das vistas de Orlando.

Como, na época, bem lembrou o velho capitão Sizenando (falecido, neste ano, aos 94 anos), o major se movimentava como uma onça, farejando tudo.  Morto o major,  provocaria o  imediato retorno de grande parte  deles e o inicio de um consistente movimento para reocupação do seu território. Para os Tupinikim, havia sido enterrado com ele um instinto de fera que se abastecia da violência.

A história de sua passagem pelo território Tupinikim dá bem conta dessa sua conduta violenta. Começou a sua atividade de evacuação da área pela expulsão dos carvoeiros, que se encontravam por lá fazendo carvão para a Companhia Ferro e Aço. Tirou-os na marra, espancando-os, queimando suas casas e dando um fim às suas criações. Com os  índios, por serem donos da terra, foi necessário montar uma engenhosa estratégia. Consistia em  manter  uma severa vigilância em lugares elevados para melhor descortinar as áreas selecionadas para serem atacadas.
           
Tinha cercos nas saídas e nas entradas do território indígena. Na saída, ao norte, na direção da sede do município de Aracruz, na ladeira da Alma, tomava conta o mais temido de  todos os soldados  que ele levou: o cabo Irênio (morto, tempos depois, num duelo com outro militar por conta também de desavenças no Sindicato do Crime). Na companhia dele  andavam os militares  Baltazar, Raimundo, Zé Maria e Wilson.

Os que resistiam às suas ordens de abandonar seus terrenos eram aprisionados em suas próprias propriedades,  sem condição alguma de movimentação. Pois a topografia dos terrenos indígenas - elevados e intercalados por brejos - favorecia o plano idealizado pelo major. Mas, mesmo com todo esse cenário de pavor e de risco de morte, não deixou de haver quem o enfrentasse, como o destemido Tupinikim    Adilão Patrocínio. Não se intimidou quando bateu à sua porta o cabo Baltazar. Na estratégia do major, era quem primeiro chegava para exigir a saída. Também não deu importância à ida do cabo Irênio, semeador de terror, com um dos encarregado das mortes. E muito menos cedeu quando apareceu o próprio major Orlando.

Outro método terrorista empregado por Orlando para pressionar os índios a abandonarem o seu território era o de abrir suas execuções à  vista deles.  Ele levava as vítimas, que trazia de outros lugares, para  que os índios pudessem apreciar um ritual macabro desde a vítima cavando a própria sepultura até a sua execução, indiferente à insanidade da morte.

Como a verdadeira identidade de um povo é a lembrança, essas  passagens do major pelo território Tupinikim permanecem bem vivas como uma memória que não os deixa em paz. Na concepção da história do Espírito Santo, os seus crimes fizeram parte de um equivocado conceito de  justiça, que era praticado por interesse  da continuidade de  governantes.        

No gênero do justiceiro, reconhecidamente, ele foi uma celebridade no Espírito Santo. Não propriamente pelo belo homem que foi, embora exista até quem ache que o seu colega, também do ramo da violência, Neném Maria, outro que semeou enorme  pavor pelo Estado, maso tanto como ele, o tenha suplantado nesse quesito. O que diferenciava Orlando dos demais justiceiros eram as suas cenas  de valentia. Sempre feitas com muito estardalhaço, a exemplo do que protagonizou, em pleno carnaval, no centro de Vitória, no bar Sagres, na época muito freqüentado pelas elites capixabas.

Insultado por um dos garçons, na companhia de outro oficial da PM, o capitão Gilberto Costa (que mais tarde viria a prender os seus assassinos), o seqüestrou na frente de todo mundo, episódio que movimentou a polícia capixaba, Dada à repercussão desse fato, até o governador do Estado nesse período, Francisco Lacerda de Aguiar, interveio para resgatar o garçom com vida. “Orlando se embriagava com a fama de valentão”, reconhece ainda hoje o coronel da reserva Orely Lyrio, que foi o seu inseparável companheiro, mas de comportamento totalmente diverso, pautado no estrito cumprimento da lei.

Orlando chegou ao ponto de fazer de um cão, que atendia por  Rex, instrumento de tortura psicológica, ajudando-o a ser impiedoso para com as suas vítimas. Rex Era um animal imponente. A altura até do garbo do dono. Mas  há quem lembre ainda hoje que o cão foi tão cruel como o próprio dono. Era costume do Orlando colocar sua vítima num cômodo da delegacia na companhia dele. Rex rosnava e punia com os dentes quem mudasse de posição. Foi muito usado para obter confissões.

O major Orlando participou de um período do Espírito Santo em que o poder estava em mãos dos chefes políticos do interior. Partia deles a sustentação dos governantes. Essa estratégia, inclusive, vem muito lá detrás. Ainda por volta dos anos 10, com a escolha de Jerônimo Monteiro para o governo. Há um intervalo no perídio ditatorial de Getulio Vargas, retomando pelos anos 40/50, quando aparecem o major Orlando e outros, e chega aos anos 60, esvaziando-se pela segunda metade da ditadura  militar.

Enquanto esteve no poder, o velho PSD controlou à vida política através desses justiceiros. Nem todos eram militares, embora a maioria o fosse. O melhor instrumento de que se valiam eram as Capturas, incumbidas de dar cobertura aos aliados do governo na disputa com os seus adversários. O chefe da Captura tinha direitos sobre a vida na sua área de jurisdição. O major Orlando foi um desses chefes de Captura que aplicou a perna de morte em favor de manutenção de poder. O seu auge deu-se no período do governo Carlos Lindenberg (1958 -1962).

Enquanto esteve na Captura, a repercussão das suas barbaridades limitou-se às regiões onde foram praticadas, diferentemente de quando esteve  à frente da delegacia de polícia do município de Colatina, numa época em que Colatina era um celeiro de homens bravos, a começar pelo seu próprio prefeito de então, Moacir Brotas. De saída, Orlando prendeu Abelardo Verbeno, Mário Jurizato, Luiz Gonzaga e Carlos Bezerra. Partindo, em seguida, para eliminar os pistoleiros deles e também os que estavam a serviço  dos demais valentões.

Mexeu na estrutura de poder local. Como emissário do governo, ele tomou o lado do senador Raul Giuberti (do extinto PSP, partido de Ademar de Barros) contra o prefeito Moacir Brotas (PTB). Orlando não só movimentou o mundo da valentia colatinense como também o mundo  feminino. Era um delírio quando ele, em bem talhados ternos, adentrava os salões do Clube Recreativo Colatinense. Era a própria imagem de Dom Juan ou de um Casanova. Do puro erotismo. Seus companheiros dessa época são os primeiros a dizer que eram meros amores passageiros. Ele próprio se considerava muito bem casado.

O momento de maior tensão de sua passagem por Colatina foi o caso que leva o nome de Neu.
Neu, como era conhecido Irineu dos Santos Costa, filho de Florêncio Santos Costa, da lista dos valentões, numa atitude provocativa, havia soltado na rua um burro velho com a palavra policia pintada no lombo. Em lugar de fugir à inevitável perseguição que lhe moveria, fatalmente, o major Orlando, escoltado por outros valentões, ele foi para dentro do bar da moda na cidade, conhecido como bar do Fonseca. Assim como quem havia escolhido o local ideal para um duelo. Colocado nesse nível de desafio, provocou na cidade uma corrida à casa de negócios Scarton, para compra de armas, a ponto de  esgotar  todo o estoque.

Dentro do bar ficaram somente Neu e seus camaradas. A rua principal de Colatina encheu, apesar de ser uma quarta-feira de Cinzas. Não demorou a apontar o major Orlando no seu reluzente uniforme, com passadas marciais como se estivesse num desfile de tropa, na companhia, também fardados, dos militares Batista, ambos cabos.  Eram dois, Carlos e Luiz. Mas não tinham nenhum parentesco. Semelhança só no destemor. Na companhia deles seguiam dois praças também do mesmo gênero no que se refere ao destemor e à experiência ao se relacionar com a violência: Joaquim e Manoel Rafael. Juntos, somavam um apreciável estoque de execuções.

Orlando entrou na frente no bar enquanto os seus militares tomaram a estratégica posição de combate conhecida como raio de visão. Ele foi logo dando voz de prisão a Neu e, antes que este esboçasse qualquer resistência, o cabo Luiz Batista deu-lhe  uma certeira coronhada. Na hora em que as armas estavam prestes a ser sacadas, chegou ao recinto o prefeito Moacir Brotas para tentar evitar o confronto. E logo depois, também com o mesmo propósito do prefeito, chegou o senador Raul Giuberti. Mas Orlando não transigiu quanto à ordem de prisão do Neu, como desejavam os dois. Mesmo ensangüentado, Neu foi conduzido à delegacia. Os populares, que estavam do lado de fora, também não se manifestaram quando ele passou a caminho da delegacia de polícia. Orlando havia, ali, cunhado, finalmente, a sua condição de soberano na história da valentia de Colatina.

Mas, antes de se impor em Colatina, ele havia passado por Afonso Cláudio como chefe de Captura. Uma região regida por muitos crimes, principalmente crimes políticos e onde duelavam dois deputados estaduais: Totó (Sebastião Cipriano do Nascimento), da família Cipriano, que tinha como astro principal da violência  o coronel Bimbim, que foi proeminência do Sindicato do Crime, que por esse período pontificou no Espírito Santo. O adversário principal de Totó era o deputado Pedro Saleme. Totó era da UDN e  Saleme, do PSD.

Por essa ocasião, Orlando estava a serviço do governo do  PSD. E sua missão era clara: assumir o lado de Pedro Saleme na guerra com Totó. Mas, ando chegou à região, Totó levava nítida vantagem sobre Saleme, cometendo toda sorte de violência, a ponto de ter mandado executar o próprio cunhado (que vem a ser o pai do ex-técnico do Tribunal de Contas  João Haroldo Cipriano). Nesse clima em que imperavam os crimes do Totó, Orlando começou pelo seqüestro de um dos homens mais ligados a ele, Odorico Kerf Em seguida, radicalizou,  escalando um de seus principais homens, o soldado Raimundo, para matar Totó. Recorreu à estratégia habitual de matar diante de todos, espetáculo que usava para impor pânico e medo. Com esse propósito, o local escolhido para matar Totó foi um bar no centro de Afonso Cláudio, ponto de encontro de fazendeiros e políticos. Totó  estava na companhia de outro político, João Valim. Na hora do atentado o bar estava muito cheio. Atrapalhou. O tiro  só  pegou de raspão no Totó.

Destino do autor do disparo: sofreu dois atentados. Um pelas mãos do seu colega de farda Antônio Alves, que lesionou sua mão direita, com a qual abatia as suas vítimas. E um segundo que lhe custou à vida. O autor dessa segunda também foi um militar, o cabo José Homero. Detalhe nos dois atentados: os dois pertenciam ao grupo do tenente José Scárdua, diretamente ligado no  próprio Totó e ao seu tio Bimbim.

Mas, antes de ser assassinado, o soldado Raimundo ainda tentaria matar Totó em outra circunstância. Numa ousadia sem precedente, ele tentou assassiná-lo em plena Assembléia Legislativa, que na época ficava próximo ao palácio Anchieta, na Cidade Alta. Misturou-se a populares que estavam numa das galerias da Assembléia. Ao vê-lo, Totó pegou o microfone de apartes para comunicar à mesa dos trabalhos legislativos que se encontrava no recinto o autor do atentado que o vitimou e pediu que ele fosse retirado.

O presidente da Assembléia da época, deputado Élcio Pinheiro Cordeiro, determinou que a Segurança o tirasse do recinto. Mas Raimundo trocou a galeria pela sala de café. Ao perceber, Totó tomou o mesmo caminho. Um duelo que só não se consumou pela pronta intervenção do deputado Vicente Silveira, que levou Totó de volta para o plenário enquanto um segurança da Casa, Antonio Fernandes Medeiros, conduzia Raimundo para fora da Assembléia.

Mas, se Orlando se impôs aos valentões de Colatina, em Afonso Cláudio foi bem diferente. Por trás do Totó havia o seu tio Bimbim, tratado de coronel sem ser da carreira militar,  por conta da liderança que exercia no oeste de Minas Gerais e no Espírito Santo. Nenhuma morte nessas regiões ocorria sem passar pelo seu crivo. Um episódio bem significativo das dificuldades do Orlando por lá: não conseguiu impedir que a jagunçada do tio do Totó, Bimbim, botasse para correr a cúpula do PSD de um monumental comício armado e que tinha como principal atrativo o  governador Carlos Lindenberg.

Mas os supostos poderes de chefe de Captura do major Orlando também não funcionaram adequadamente em Iúna. É um lugar – segundo um de seus filhos mais ilustres, Vicente Silveira (várias vezes deputado estadual pelo município, chegando a presidir à Assembléia), “onde as pegadas de onça estão por todas as partes”.

Terra de gente destemida  – segundo ainda Vicente. Nesse tempo do Orlando os homens em Iúna se respeitavam e se matavam. Mas eram coisas deles próprios. E tinha um poder local que arbitrava  as desavenças e apurava os crimes – mas com um olhar iunense (Vicente está falando das gerações de 70 para trás). Matava-se muito e morria-se muito. Deram-se mal os que foram lá intrometer-se nos seus crimes. Foi assassinado um promotor, Déo Shinader, um sargento e um destacamento inteiro.

Orlando respeitou essa realidade, pois seria uma luta de titãs. Tanto que ele não botou a mão em ninguém. O único que matou foi um valentão de nome José Coimbra. Mas esse não era de Iúna, muito embora a frequentasse.  Vivia varando fronteiras pela região do Caparaó. Só que Orlando foi matá-lo fora do Iúna, em Santa Bárbara, no Alegre. Orlando andava por Iúna à frente de um monte de soldados. Não amedrontou. Ao invés de vigiar a vida de Iúna, eram os iunenses que vigiavam os passos do Orlando.

Nesse período, Iúna tinha dois deputado estaduais: Miqueil Chequer, do PSD, e Vicente Silveira, da UDN. Regia-se a relação dos dois por uma espécie de código político, que preservava Iúna das intervenções externas, tanto do ponto de vista político como da entrada de estranho para produzir justiça, como era comum por essa época. Embora pertencesse ao PSD, Miqueil nunca se utilizou dos poderes da Captura para eliminar adversários.

Ele e Vicente Silveira disputavam a prefeitura com os seus candidatos, mas na eleição para a Assembléia fechavam as fronteiras em favor de suas próprias candidaturas. Eles tinham até uma figura delegada por eles para controlar o ímpeto dos seus valentões. Chamava-se Namir Ângelo Gonçalves. Segundo Vicente, Namir sabia da direção do tiro. Ele  não matava, mas fazia os outros morrerem. Aos 86 anos de idade, cheio de história ainda para contar, Vicente costuma dizer que no seu tempo, em Iúna, se tratava cobra com carne de cobra.

A débil passagem de Orlando por Iúna, onde sua valentia foi contestada, não invalida, contudo, a fama das mortes que praticou em outras paragens que fizem dele um mito da valentia no Espírito Santo, e um forte fator na conservação dos governos do PSD que governava sob a égide “dos rigores da lei para os inimigos e das benesses da lei para os amigos”.

2 comentários:

Rossana Mattos disse...

Prezado Rogério,
Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma correção nos textos nos quais você se refere a meu pai. Seu nome é Orlando Cavalcanti (e não Cavalcante) da Silva, também conhecido por vários codinomes, entre eles, Orlando Capeta, Orlando Lavagem, dentre outros.
Você pode estar se perguntando porque só agora me manifesto quanto a este fato? Simples: só agora, aos 58 anos, tive a coragem de ler pela primeira vez notícias sobre meu pai.
E o que li no seu jornal, demonstra uma visão maniqueísta, além de extremamente pessoal.
Assumo, como pesquisadora, que imparcialidade não existe, é um engodo acadêmico. Porém, podemos minimiza-la ao assumi-la, fato esse que não vi em nenhum de seus artigos.
Caso queira entender ou discutir um pouco mais sobre Orlando Cavalcanti, desde que seja para ouvir o outro lado, que existiu, existe e existirá eternamente, que é o legado deixado por ele para seus cinco filhos, que ficaram órfãos, a mais velha aos dez anos e o caçula com um ano, foi, apesar de todos os traumas e suas consequências, muito amor, um senso de família, mesmo que despedaçada por tudo, mas que permanece.
AMEI, AMO E AMAREI, COMO MEUS FILHOS E NETOS E TODOS OS QUE VIRÃO, O ORLANDO CAVALCANTI, O CAPETA, O LAVAGEM, E AQUELES QUE NÃO CONHECI, MAS QUE NÃO TENHO MEDO DE CONHECER.
Quem sabe algumas informações enriqueçam seus futuros trabalhos: era filho ilegítimo de uma índia alagoana com um italiano, que nunca o reconheceu. Cresceu sendo chamado de filho da puta. A mistura resultou num homem lindo e rico na sua complexidade.
Por tudo isso, me coloco a sua disposição para outras informações que você, prefiro acreditar, desconhece.
Só não posso, hoje depois de ler tudo que li, só ver o lado em que meu pai é colocado como um mero assassino, sem nenhuma outra visão, dos muitos que com ele viveram, e mesmo que muitas vezes não concordando com sua opção, ou falta dela, o amavam.
Dentre estes, EU.
ROSSANA FERREIRA DA SILVA MATTOS
Doutora em Sociologia
Mestre em Administração
Professora da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES e do Mestrado em Gestão Pública
Pesquisadora nas áreas de políticas e gestão pública; expansão urbana e dinâmica metropolitana; desigualdade socioespacial; segregação e violencia urbana.

EMILIA MYCAELA ORDEIRO CAVALCANTE CLEUZA CORDEIRO CAVALCANTE disse...

ROSSANA, Meu nome é Emilia Mycaela Cordeiro Cavalcante, gostaria de lembra a senhora que seu falecido pai nunca foi um SANTO.Ele pegou meu AVò materno que era homem trabalho com 5 filhos é uma esposa gravida.Meu Avô estava em Afonso Claudio, levando boi, porque essa era sua profissão, não militar como seu pai,seu querido pai pegou meu avô, com sua menti doentia prendeu ele é seu amigo sem motivos, é até estuprar meu avô ele o fez, depois de muita tortura meu avô foi solto,mas nunca mas foi o mesmo homem, 3 anos depois foi morto deixando 6 filhos uma esposa, sua filha mas velha Cleuza Cordeiro nunca mas foi a mesma, ainda foi tomado tudo de minha avó até as camas onde as crianças dormiam, então não pense que seu pai foi um SANTO porque não, como depois disso meu avô tambem não, o diferencial dessa historia foi que meu avô estava trabalhando honestamente, enquanto seu pai sai dando ordem na vidas dos outros (destruindo vidas aleias ), a sehora ficou orfão como minha mãe é meus tios, mas pelo que vejo a Senhora teve orpotunidades na vida, enquanto minha Avó, Mãe é tios passaram forme e medo.Mesmo assim oro á Deus pelas alma dos dois.