domingo, 2 de outubro de 2011

a jaqueira

A jaqueira lá da casa do meu avô, em Baia Nova interior de Guarapari - ES, é especial pra mim. Desde novinho, pra mim era lá o limite. Pra cima só mato fechado, a "capuéra", como meu avô italianão, Seu Davi, falava.
"Vou lá na capuéra pegar lenha" "Toma cuidado vô, que lá tem cobra e escorpião"
Era o que minha vó me mandava falar, e todo mundo ria do neto, sobrinho, filho...
Até chegar lá na jaqueira, no platôzinho sobre o terreiro da casa deles, eram várias mangueiras frondosas, um pé de caju bem velho (que quase nunca dava caju), cana e aipim espalhados, de vez em quando. E restos de estruturas de cimento, construídas e abandonadas há muito tempo, de uma vez que (ainda não era nascido, diz meu pai) meu avô criou bichos lá em cima. Uns três eucaliptos bem grandes, e árvores baixas, o mato...
Depois da cerca, à direita, pasto. Do meu tio, subia alto, dava a volta na montanha e encontrava com o pasto de lá de cima, da propriedade que avizinhava meu avô pelo outro lado.
E lá em cima, no cantinho úmido, antes da pedra descer a montanha, pra fazer o muro de trás da terra do meu avô, a jaqueira. grande, imensa, frondosa. jaca dura, boa, gostosa. foi o primeiro lugar ao qual pude ir sozinho. contemplar. novinho ainda, antes dos dez anos. sentado em cima de uma das várias pedras por baixo dela, ou em cima mesmo, a partir de quando já tinha tamanho suficiente para alcançá-la sozinho.
O som era maravilhoso: no meio daquelas mil tonalidades de verde, no bosque das fruteiras, ouvir o vento falar lá do alto da copa das árvores... Nos meses de verão, ouvir a água por entre as pedras,  sobrando da nascente, descendo o morro pra encontrar o rio.
Dali criei o gosto de bicho. Ver as trilhas marcadas no mato fechado, pequenos túneis levando pra dentro daquele verde que eu achava intransponível, do alto da minha infância. Passarinho, aprendi a gostar com minha vó, que sempre falava do gaturamo dela, que vinha todo dia comer a banana que ela botava no terreiro. Do beija flor do rabo branco, que vinha beber no bebedouro dentro de casa...
E na jaqueira eu vi tucano, vi saíra, vi gavião... Vi  sabiá, vi sanhaço, vi nambu... canarinho nem conta.
Sempre que volto lá, tiro um tempinho pra passar com a jaqueira. Ela deve sentir falta do meu avô, já faz bastante tempo que ninguém mora lá. Mudou a terra em volta, as mangueiras foram embora, o bosque pra baixo dela diminuiu, plantou-se palmito. Mas pra cima a capoeira cresceu, a água corre por baixo da jaqueira agora muito mais meses no ano...
Tem tempo que não vou lá. Mas a última vez foi auspiciosa.
Da varanda da casa, vi movimentos no morro acima. Pouco tempo depois, os sons inconfundíveis. Roncos guturais, rosnados de trovão. Os bugios. Sem gritar, mas fazendo algazarra, desceram até os eucaliptos, que sobraram do palmital. Fui atrás. E os vi de perto. Em cima dos eucaliptos, me levaram pra jaqueira. E fiquei lá, assobiando pra eles, rindo pras suas caras assustadas...
Foi um dia bom.