quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sobre o que Motiva o Surf ou "Porque é que esses malucos tão na água nesse frio."

Aí acordou cedo, celular despertou era seis. Meia horinha a mais, na cota da soneca, função mais famosa dos celulares por aí. Botou a cara pra fora janela, e lá fora tudo cinza. Chuva caindo grossa, árvore balançando de vento, e a expectativa do menino? Alta.

Vento sul soprando há três, tempestade rolando pelo segundo dia.

Só por segurança, o confere da internet. Só por segurança nada, swelzinho rastreado há mais de uma semana, quando apareceu nos gráficos os traços amarelos. No check diário, poucas ou nenhuma foto. Nem os fotógrafos animaram sair pra registrar, no seu ofício diário, as condições do mar que rolam aqui no estado.

Aí conta com a familiaridade, afinal de contas já conhece a praia de casa desde a mais tenra idade, quando começou a se arriscar nesse passatempo deveras ingrato de andar pelas águas. Hoje ele ia pegar onda, e na frente de casa.

Já bota um misto pra esquentar e prepara aquela caneca servida de café. No pc escolhe aquela trilha sonora instigante pra terminar de acordar. Pra não pegar pesado com a cabeça e com os ouvidos, Novos Baianos. Dê um Rolê. "Não se preocupe pessoa... se eu te disser que a vida é boa!"

Daí pra frente esquentando, aquele surf music na hora de aquecer e alongar. Até porque não dá pra sair cru debaixo das cobertas direto pra rua. Chuva. Vento. Tudo muito. Retrofoguetes, boa pedida!

Pega a pranchinha no quarto, despede do cachorro, gira a maçaneta e sai do apartamento. Busca o camelinho... Tipo um sonho de local, sonho não, porque realmente é local dali mesmo. Mesma rua, mesmo prédio, desde a data do nascimento. Mas em volta, tudo mudado. Um milhão de outros prédios erguidos num mesmo tanto de terrenos baldios, abandonados. Uns eram até campinhos improvisados, muita gente cresceu se divertindo num desses por aqui. Até o surfista, não tão fã de futebol...

Até o crowd anda meio mudado, embora alguns rostos familiares sempre compareçam no outside. É um bairro na capital do estado, mas é um bairro de surfistas. Se pá o maior crowd do estado.

Enfim, uma vez na rua, apoiado no meio fio. Uma mão no guidão da bike, outra segurando firme a parceira de tantas horas difíceis e felizes... Partiu na manhã fria. Começando a chocar...

Bicicleta sem freio, engarrafamento na mesma rua em que cresceu, que viu asfaltar. Fila de carros no sinal, sem espaço nenhum na pista pra passar. A saída pela esquerda já brilha dois faróis acesos (faróis acesos, mas é de manhã?) bloqueando a rota de fuga. Sorte que chove, dói muito menos freiar com a ponta dos dedinhos do pé no asfalto molhado.

Se tivesse seco ia ser foda.

Para, encosta no meio fio. Espera o trânsito passar, pega a rota da esquerda. Sem condições enfrentar avenidas numa manhã chuvosa como essa. Já é cheio de meia roda, quando chove então... Só sai eles de carro. Ruas todas empoçadas, geral encapuzado, indo trabalhar. E vai o cara, sem camisa, no tempo. O povo do guarda chuva olha meio que se perguntando... "Quem é esse maluco?"

E pelo bairro, mais engarrafamento. Como é que pode algo mudar tanto com o tempo. O caminho pra praia, todo mudado... Várias casas demolidas, cada vez mais prédios no horizonte. Chegando na praia o trânsito pra variar, todo engarrafado. Observando bem, não dá pra deixar de notar. Veículo individual, o tal do carro.  Lotação máxima, um passageiro.

E vai passando entre os carros, nem faz tanta diferença o sinal fechado ou aberto. Tudo parado. Atravessa aquele último obstáculo e encosta na orla. Pela ciclovia, vento contra e o mar? Nem tava tão bom. Só uma cabeça na água, mas o suficiente pra animar o surfista. Afinal de contas, já acordou cedo, já tava molhado mesmo, e querendo ou não o balde de café fez efeito, bateu.

Deixou a bike no píer, foi andando entre as pedras, furar onda praquê? E caiu. Dividindo o outside só com mais um maluco, e uma tartaruga que, vez por outra botava a cara pra fora d´água, vai ver pra conferir... "O que esses dois doidos tão fazendo aqui, nesse frio todo?"

Ventro frio, chuva grossa. E a água surpreendentemente quente. Mar mexido, ondas balançadas. O fundo não recebeu tão bem essa ondulação que tava chegando. Até porque rolando a maior ventaca. Num furacão desses, difícil achar ondas lisinhas. E querendo ou não, todo processo de urbanização, aliado ao complexo siderúrgico portuário, corta ali nove décimos do potencial do pico. O consolo? Geral ali na avenida, preso no engarrafamento.

Valeu o dia do surfista, o peito se encheu de gratidão. Valeu nuvens cinzas, valeu chuva, valeu marzinho pela recepção morna nesse dia gelado. Saldo do dia, uma direitinha e uma esquerdinha surfáveis. A esquerda de surpresa, e, goofy que era, encaixou no lugar certo a batidinha mirada no bottom curto. Fez o surf do dia.
Depois de outra, mais extensa e cheinha, sem manobras mas como um caminho tranquilo, de traços fluidos, até a saída do mar, resolveu sair. O crowd aumentou e se já não é tão divertido surfar merrecas, tampouco é a perspectiva de tê-las que dividir com mais gente .

Corridinha até a bike, e o pedal de volta pra casa. Agora vento a favor, pranchinha funcionando feito vela. Pedalando sem as mãos, com aquele orgulho de local do pico. Pelo meio da manhã volta o maluco todo encharcado com um sorriso estranho no rosto. Ônibus, carros, caminhões e ambulâncias no caminho pra casa. Tá valendo, já se lavou na água salgada.

Chegando em casa, um banhozinho quente. Já agasalhado, providencia um rango leve. Entra na internet e o brother logo avisa... Aí, lá pro sul, condições épicas!! Será ..?

3 comentários:

Amandinha Quenupe disse...

Primeira vez que leio seu blog, legal demais!
Pra ser sincera, não entendi muita coisa que estava escrita ai, linguagem do surf, mas captei a essência e foi maravilhoso!
Beijo!

@jplizoton disse...

valeu amandinha!!
=)

Artú disse...

porra joaozin, emocionei lendo esse post mlq, na moral..

ficam aí duas perguntas pra reflexão: o que motiva esses malucos a, depois de tanto perrengue, querer fazer a mesma coisa no dia seguinte, e, se pudessem, em todos os dias do mês?

e outra, talvez mais profunda:
já pensou se esse complexo industrial não tivesse acabado com as ondas de camburi, quantos por cento mais felizes seríamos?

Uns 40%, pelo menos. Nada explica o orgulho de ser local, nem que seja umas 5 ou 6 vezes no ano..

emocionei mesmo mlq, só qm é surfista pra entender o texto com a riqueza de sentimentos que ele oferece!